segunda-feira, 26 de julho de 2010

Um Parelheiro

por Paulo Mendes

Meu pai era apaixonado por carreiras de cancha reta. Creio que, se fosse um homem rico, certamente investiria boa parte de suas posses em cavalos. Aos domingos era certo: depois do almoço - com carne assada no forno do fogão à lenha, maionese e uma garrafa de guaraná frisante Polar - atrelávamos o Tostado na charrete e seguíamos para as carreiras, um local perto do nosso bolicho, lá na Vila Rica. Um dia, o pai estava de mau humor e não quis me levar. Passei a tarde inteira chorando debaixo de um pé de cinamomo, atrás do capão de eucaliptos. Na época, a vida não tinha sentido pra mim sem as carreiras. Naquele dia, por coincidência ou por um castigo divino, o pai perdeu em todos os cavalos que jogou e decidiu, dali em diante, nunca me deixar em casa. Pedia minha opinião sobre as apostas e, invariavelmente, o cavalo que eu indicava vencia. "Este guri tem olho bom", costumava dizer nas rodas de amigos...

Dessa época lembro do Tranquito, um puro-sangue alazão que ganhou esse nome porque caminhava com um garbo britânico. Havia sido craque quando jovem e, nessa época, vivia como reprodutor em um haras. No entanto, naquele ano seu "compositor" decidiu trazê-lo de novo para as carreiras "sem reservas", como se chamavam as corridas livres, pois se aceitavam animais de qualquer lugar, aposta indefinida e no tiro de 400 metros. Seria a despedida dos trilhos de areia. Anos atrás, o pai conseguira uma cria da Gateada, uma égua nossa, com o alazão. Nasceu um lindo potro, mas não tínhamos dinheiro para mantê-lo no Jockey Club e acabou sendo vendido para um carreirista da Fronteira.

No dia da penca, o pai jogou pouco na Classificatória e se arrependeu. Tranquito largou atrás, mas ali pelos 200 metros assumiu a ponta e venceu fácil. A final ocorreu numa segunda-feira à tarde. Saí do colégio e fui direto, sem almoço. Comi dois pastéis com guaraná. Depois disse: "Se eu fosse o senhor, jogava tudo nele". Fez a aposta que, para nós, era uma pequena fortuna. Só lembro do famoso "se vieram" e onde nós estávamos "nosso" cavalo passou perdendo por pescoço. Soltei o grito: "Vamo, vamo, vamo" e, quando cruzaram a linha, alguém disse que o Tranquito havia vencido por uma cabeça. Ficamos esperando o retorno dos cavalos. Lá vinha ele, esbaforido, com o Zequinha, o jóquei, todo faceiro, abanando pro povo. Voltamos pra casa e nunca mais vi o Tranquito. O pai tinha "forrado o poncho" e por isso ganhei uma petiça e dois livros do Jayme Caetano Braun, que guardo até hoje, com os versos relidos amarelados na estante.

Nesta vida, meus amigos, aprendi muito cedo que um homem precisa estar longe dos cavalos lerdos e das mulheres ligeiras.

Regalo foto: Voldinei Burkert Lucas (www.lucas.art.br)
Regalo publicação: jornal Correio do Povo

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