Foto Ricardo Ribas |
por Jader Marques
Tenho conversado com pessoas. Na verdade tenho ouvido muito o que as pessoas têm conversado comigo. Algumas vezes até falo alguma coisa. Tenho observado, quase imóvel, os movimentos agitados dessas pessoas, correndo, correndo, correndo... Tenho assistido a derrocada dos valores, dos princípios, das boas maneiras e das boas ações. O certo dando lugar ao rápido; o justo dando lugar ao fácil; o bonito virando produto; a madeira virando plástico; enfim, tenho visto a felicidade ser empacotada e carimbada para estar pronta a ser remetida pelo sedex, já que o cartão de crédito foi aceito e o serviço de compras pela internet não falha. Tenho sentido uma espécie de angústia por tudo isso. Sinto alguma coisa parecida com o desespero de quem não pode salvar o afogado. Sabe que não vai morrer, mas sabe também que não está salvando aquele que sofre. Tenho mudado cada coisa errada que percebo na minha própria vida e tenho contribuído para que todos enxerguem mais do que estão apenas vendo (alguma coisa parecida com a “mulher do médico” no clássico ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA do Saramago). Tenho percebido que não basta termos olhos, sobretudo, quando sinto a necessidade de fechá-los para, só assim, tentar ver alguma coisa. Essa angústia me faz procurar alguém na multidão. Alguém que saiba o valor do que realmente tem valor. Sinto-me, de certa forma e com algum constrangimento, um resistente. E, nesta condição, penso que devo procurar os meus iguais na multidão. Na massa que corre, mas não sabe a direção e, por isso, não chega. Quem vai a qualquer lugar, nunca sabe quando chegará. No meio dessa gente faminta, gafanhotos consumistas desesperados, há pessoas que param diante da flor, do sol, da lua, do perfume, da faixa de segurança. No meio da fumaça, alguém deve estar incomodado com o caminho seguido por esta humanidade entorpecida ou com a falta de um caminho. A resistência é indispensável. Reconhecer o igual e, portanto, diferente dos demais, é tarefa que me faz alerta. Carrego a responsabilidade de manter vivo o sonho que eu tive quando criança, de que um dia voaria, de que seria invisível e que só tomaria banho quando isso fosse realmente necessário, mas nunca para agradar a estranhos que apertavam as minhas bochechas. Nossos filhos e os filhos deles precisam ter o direito de sonhar os sonhos puros que sonhamos, sem pensar que a felicidade ou a paz depende de raios disparados por criaturas robóticas, lutando contra o mal numa galáxia dominada pelo desejo de poder e fortuna. E quem, além das crianças, sabe o que é felicidade, liberdade, amizade, afeto, etc. Se o cara está certo e não fazemos amigos, mas apenas os reconhecemos, então tenho vivido a angústia de deplorar o mundo em que vivo, esperançoso de encontrar nos olhos de um certo alguém, um igual, um resistente, um ímpar, um único. Sejamos os retrógrados, os ultrapassados, os caretas, enfim, aqueles que continuarão, apesar dos pesares, a acreditar na felicidade, na paz e no amor. Resistamos!
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