sábado, 14 de julho de 2012

Aristocracia Equina




por Eduardo Festugato
  
Há alguns anos, nos EUA, foi feita uma pesquisa junto ao público em geral – adultos e crianças – sobre qual a figura de animal mais agradável de se olhar. A escolhida foi a do cavalo. Disparado. E a mais detestável foi a figura da cobra. Esse resultado demonstra como são importantes os condicionamentos dados pela educação: nós somos produtos da genética trabalhada pela educação – feixe de instintos montados pelo Ego. (Como é importan-te a educação! Decide o destino do universo). 


Os heróis e os príncipes; os românticos sheicks do deserto, os “mocinhos” do cinema, o Zorro e São Jorge, conquistadores e generais, todos montam belos e fogosos corcéis. Encarnam a beleza e o amor, daí o serem tão amados. A serpente, porém... Quem causou a desgraça dos nossos avós Adão e Eva e nos onerou com a herança do pecado original foi uma serpente. Serpente tem ligação com veneno, com covardia, com subrepticidade, traição; com o diabo e com o mal. Não existe cavalos no inferno, porque cavalo representa a liberdade, a aspiração máxima do ser humano que é libertar-se da gravidade e dos instintos... e voar. Voar como Pégasus, o cavalo alado das crinas de prata, tão idealizado que galopa nos campos infinitos do firmamento, dando o seu nome a uma constelação de estrelas. 


O mundo, porém, não é perfeito. A sorte é como a chuva: nunca é parelha. Se até Deus tem suas preferências!? (“Tu és o meu filho muito amado a quem pus todas as minhas complacências”). Mesmo para os cavalos parece haver injustiças. Para os poetas – e todo aquele que gosta de cavalos é um poeta – a beleza não tem nada de prática: a estética despreza a utilidade. Daí o porque que a grande maioria dos poemas e textos escritos sobre cavalos faz referência aos de montaria. Parece que o cavalo de sela é o aristocrata da espécie, ao passo que o de tração é o operário, o escravo. Afinal, alguém tem de carregar o piano para um Mozart tocar. 


Esta preferência pela sela à tração tem correspondência com a equitação e o arado: aquela, o prazer; este, o trabalho. Segundo Fernando O. Assunção, “os povos agrícolas são, em geral, povos subjugados e têm cultos religiosos que incluem o sacrifício de vítimas humanas para tornar propícia a terra contra secas, chuvas torrenciais e outras pragas da natureza, assim como aos deuses relacionados com a fertilidade. Ao passo que os povos cavaleiros, pastores, são livres, nômades, guerreiros, altivos e independentes”, como os mongóis e os beduínos; os cossacos e os hunos; como as amazonas do mito... e os nossos gaúchos do passado. Não é por nada que o colono italiano era tão religioso... 


Talvez este sentimento de superioridade dos povos cavaleiros seja devido à sensação de liberdade e poder que o cavalo de montaria transmite ao seu cavaleiro. A equitação deu, ao nômade pastor, a abolição da escravidão da terra ao liberá-lo do trabalho escravo da agricultura, pessoal, esgotante, que o curva sobre ela e o obriga a regá-la com seu suor como querem as maldições bíblicas. Montado num cavalo, o homem se sente poderoso ao ver o mundo pequeno, como quando anda de avião – paisagem, homens, problemas – tudo fica pequeno. Sente-se tomado por um sentimento de poder como deveriam experimentar aos deuses. Este é o segredo do fascínio que as alturas exercem sobre os homens. A equitação, o vôo, o alpinismo liberam tantas endorfinas que viciam. Acima da humilde posição pedestre, desde a altura do lombo de um cavalo – um trono – o ginete sente-se superior aos demais homens ao dispor de maior velocidade e facilidade de locomoção. “Cuando me hallo bien montao, de mis casillas me salgo...” (“Quando estou bem montado já não sou mais o mesmo” – J. Hernándes). O movimento é o mais perfeito símbolo da vida.      


Num gesto de desagravo ao sofrido puxador de carroças, esquecido, abandonado e tristemente anônimo, vai o soneto abaixo, escrito pelo amigo Raul Poli: Cavalo e liberdade.


“Cavalo, que atravessas como o vento,
livre e garboso, o lombo da coxilha,
tens por coberta o azul do firmamento,
a lua de prata, a branquejar tua crina.
Respiras liberdade, assim, contento,
no disputar carreiras co’a tropilha,
à noite, a paz saudável do relento,
de dia, calor do sol que acorda e brilha.
Porém, se posto na carroça ou arado,
de angústia e nostalgia vais te finando
como inocente ser escravizado.
Mas se um amigo te conquista, quando
de montaria só fores tido e usado,
partes feliz, a relinchar, trotando.”


*** 1 Soneto ainda inédito, que fará parte do livro de poesias intitulado “Dança dos Gi-rassóis”, de Raul Poli.


Regalo: limacoelho.jor.br e cavaloscrioulos.com.br

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