quarta-feira, 21 de setembro de 2011

REVOLUÇÃO FARROUPILHA: Separatismo ou República?

Texto simplesmente espetacular, com fundamentos jurídicos e históricos correspondentes aos fatos narrados, demonstrando que quanto a guerra dos Farrapos, sua finalidade principal não foi lutar a favor do separatismo, mas sim contra a centralização  política e tirana do império da época.

Apesar do texto ser um tanto extenso, recomendo a leitura completa para melhores esclarecimentos.

Baita abraço.

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por Rodinei Candeia
Procurador do Estado, Professor e Palestrante de Direito Público e Tributário.

A Revolução Farroupilha, comemorada no dia 20 de setembro, está para o Estado do Rio Grande do Sul como a Revolução Americana para os Estados Unidos, a Revolução Francesa para a França, a Inconfidência Mineira para Minas Gerais, Revolução Liberal de São Paulo (1842), a Sabinada da Bahia (1837) e o movimento de Libertação da América encabeçado por Simón Bolívar e San Martin. Trata-se de um marco de conscientização filosófica e política do povo gaúcho.

Esses momentos históricos foram a concretização das grandes discussões éticas e dos ideais políticos dos povos.

Porém, anteriormente às revoluções populares, foi necessário ambiente para o desenvolvimento dessas ideias e preparação dos homens que as lideraram. Serviram de palco para isso as academias, as sociedades científicas e algumas sociedades secretas criadas especificamente para esse fim, principalmente pela Maçonaria1 , onde era possível a livre manifestação do pensamento. Nesses ambientes fortaleceu-se a ideia dos direitos humanos e os princípios da sociedade humana ocidental, como a liberdade, a fraternidade e a igualdade.

Hoje é possível o exercício do livre pensar e manifestar em ambientes públicos, como escolas, partidos políticos, imprensa, parecendo sem importância o papel de tais sociedades de exercício filosófico e de proteção das liberdades públicas. Porém, basta que se retroceda não há dois ou três séculos, mas há 30 anos na história brasileira, para que se compreenda que, em plena ditadura militar, tal não era possível. O mesmo aconteceu em inúmeros países e ainda hoje ocorre na África, no Oriente Médio, na Ásia e, em menor grau, na América Latina, onde a liberdade de expressão vem sendo atacada de forma violenta, assim como o direito de livre associação. Sem aquelas organizações, que visavam o progresso dos povos, provavelmente a história humana tivesse outros contornos.

Especificamente em relação à Revolução Farroupilha, não há dúvida de que essa se confunde com a história do Rio Grande do Sul, sua cultura e características do povo, politizado e desenvolvido culturalmente.

A Revolução Farroupilha formou o perfil do povo gaúcho, firmando nos espíritos dos cidadãos os princípios da liberdade, do federalismo e do respeito aos direitos humanos, previstos no Projeto de Constituição da República Riograndense8  de 1842 e só recentemente consolidados na Constituição Federal.

Foi um verdadeiro “surto ideológico, onde seus líderes se propuseram ao sacrifício da própria vida em nome da pátria e de seus compatriotas.

Porém, nunca quiseram os farroupilhas a separação do Brasil, como comumente se tenta fazer crer, mas intuitivamente é negado nos desfiles, onde as bandeiras do Brasil e do Rio Grande do Sul andam lado a lado.

Primeiro, porque a maioria dos líderes era de outros Estados, principalmente do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Depois, pode-se verificar a intenção contrária aos separatismo nos documentos oficiais da época, como se permite transcrever:

Da Câmara Municipal de Piratini, aderindo à República Riograndense em 6 de novembro de 1836:

“Que a nova nação tinha que ligar-se pelos laços da federaçào àquelas das Províncias do Brasil que adotassem o mesmo sistema de govêrno.”

De Bento Gonçalves, no Manifesto de 29 de Agosto de 1838:

“Perdidas, pois, as esperanças de concluirem com o Govêrno de S. M. Imperial huma conciliçaó fundada nos principios da Justiça Universal, os Riograndenses, reunidos às suas Municipalidades, solemnenmente proclamaraó e juraraó a sua Independencia Politica, debaixo dos auspicios do Systema Republicano, dispostos, todavia, a federarem-se quando nisso acordem, às Provincias Irmás, que venhaó a adoptar o mesmo systema.

De Bento Gonçalves, na abertura da assembléia constituinte em 1º de dezembro de 1842, portanto, 47 anos antes da implantação da República Federal no Brasil:

“Muito doloroso me é o ter de manifestar-vos, que o governo Imperial, surdo à voz da humanidade, e com escandaloso desprêzo dos mais sãos princípios da ciência do direito, nutre ainda a pertinaz pretensão de reduzir-nos pela fôrça, e porém meu profundo pesar se diminui com a grata recordação, de que a tirania acintosa exercida por êle nas provindicas tem despertado o inato brio dos brasileiros, que já fizeram retumbar o grito de resistência em alguns pontos do Império.

É assim, que seu poder se debilita, e se aproxima o dia, em que, banida a realeza da terra de Santa Cruz, nos havemos de reunir para estreitar laços federais à magnânima nação brasileira, a cujo grêmio nos chama a natureza e nossos mais caros interêsses.”2 

Do deputado José Mariano de Matos, respondendo à “fala” do presidente da República em 17 de Janeiro de 1843:

“A Assembléia, penetrada da mais acerba dor, observa a injustiça, e tenacidade, com que o Governo Imperial do Brasil pretende reduzir-nos pela força, mas confiada na Divina Providência, na santidade de nossa causa, na intrepidez, e constância do Exercito Riograndense, espera que, alfim, triunfem nossos principios: quiça raie, entaó, hum dia de gloria, em que possa verificar-se a lisongeira idéa de nossa uniaó à grande família Brasileira pelos laços da mais estreita federaçaó.”

De Bento Gonçalves3 , em proclamação de 11 de março de 1843:

“Huma republica federal baseada em solidos principios de justiça, e reciproca conveniencia, uniria hoje todas as Provincias irmás, tornando mais forte e respeitavel a Nação Brasileira, se o interesse individual, e se a traiçaó não violentasse o espirito publico.”

O que se combatia não era o Brasil, mas a centralização política, estabelecendo-se na Constituição de 1842 a autonomia administrativa como valor estrutural, como se vê no art. 1º:

“Art. 1º – A Republica do Rio Grande é a associação politica de todos os cidadãos riograndenses. Elles formam uma nação livre e independente, que não admite com qualquer outro laço algum de união, ou federação, que se opponha à independencia de seu regimen interno.4 

Mesmo após a proclamação da República do Brasil, em 1889, a autonomia do estado foi elencada como valor inafastável, só sujeita aos limites da Constituição Federal, como consta da Constituição do Estado de 1891:

“Art. 1º – O Estado do Rio Grande do Sul, como um dos membros componentes da União Federal Brasileira, constitui-se sob o regime republicano, no livre exercício da sua autonomia, sem outras restrições além das que estão expressamente estatuídas na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.”5 

Além dessas manifestações oficiais, como prova da luta dos riograndenses contra a tirania imperial e não contra a nação brasileira, bem como do seu espírito federalista6 , nunca é demais lembrar a resposta dada por David Canabarro à proposta de fornecimento de soldados, armas e dinheiro feita por Don Juan Manoel Rosas7 :

“Senhor. O primeiro soldado das vossas tropas que atravessar as fronteiras, fornecerá o sangue com que será assignada a paz de Piratiny com os imperiaes. Acima do nosso amôr à República collocamos o nosso brio, a integridade da Patria. Si puzerdes, agora, vossos soldados na fronteira, encontrareis hombro a hombro, os soldados de Piratiny e os soldados do Sr. D. Pedro II.”

O separatismo era uma acusação atribuída a Bento Gonçalves por seus inimigos políticos da época, tendo sido levado a julgamento por isso em 1834 e 1835.

A revolução, em seu aspecto militar, foi derrotada, assinando os farrapos a paz de Ponche Verde em 1845. Mas os líderes militares adversários, BENTO GONÇALVES e DUQUE DE CAXIAS8 , ambos maçons, tinham afinidades e chegaram a um acordo honrado para encerrar a guerra fraticida, sem praticamente estabelecer vencidos e vencedores, sendo dadas aos riograndenses inúmeras concessões, como o direito de nomeação do presidentes da provincia (art.1º), anistia completa (art. 2º), revalidação dos atos praticados durante o governo republicano (arts. 5º e 6º), liberdade dos escravos que lutaram pela República Riograndense (art. 7º) , bem como a integração dos oficiais e soldados ao corpo militar brasileiro (arts. 8º e 9º), no que se originou a Brigada Militar9 

Assim, fica claro que a Revolução Farroupilha nunca foi separatista, como alguns despreparados repetem sem fundamento, mas tinha ideário republicano e federalista, fundamentando-se no estado de Direito10 .

A Revolução dos Farrapos e seus ideais forma histórica, social e culturalmente vencedores, pois a independência política do Brasil, a autonomia dos Estados e a própria forma federativa do Estado Brasileiro foram fortemente influenciadas por essa Guerra, que teve a ousadia de enfrentar um império inteiro pela liberdade dos homens, o que marcou o caráter do povo do Rio Grande do Sul para todo o sempre.


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Notas de rodapé:

1 A literatura histórica oficial registra que em 1831 o Grande Oriente do Rio de Janeiro promoveu a abertura de inúmeras lojas maçônicas no Rio Grande do Sul, a fim de desenvolver o pensamento liberal e preparar os “espíritos pra tremendos choques”. Dessas lojas fizeram parte BENTO GONÇALVES DA SILVA, DOMINGOS JOSÉ DE ALMEIDA, JOSÉ MARIANO MATO, PEDRO BOTICÁRIO, VICENTE DA FONTOURA, PAULINO DA FONTOURA, GOMES JARDIM, ANTONIO DE SOUZA NETO e outros líderes, como registrou FRANCISCO DE SÁ BRITO, político e jurista da época (in Memória da Guerra dos Farrapos, ed. Gráfica e Ed. Souza; RJ:1950, p. 41. Paulino Jaques, na introdução biográfica da obra afirmou: “O Grande Oriente do Rio de Janeiro chamara a si o encargo de propagar aos quatro cantos do Brasil a organização de uma República Federal. Semeara lojas por toda parte, sobretudo, na Província de S. Pedro, cuja posição geográfica favorecia a pregação doutrinária. Daí as “sociedades secretas” com seus órgãos de publicidade. Entre aquelas figuravam a “Sociedade dos Continentinos”, com sede em Pôrto Alegre, a “Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional”, em Rio Grande; a do “Teatrinnho”, em Pelotas, e a do “Vigilante”, em Rio Pardo.” Para combater o ideário liberal, foram criadas as Sociedades Militares.
Segundo registros históricos, Simón Bolivar ingressou na Maçonaria na França em 1805, sendo amigo do cientista Alexander Von Humboldt e do botânico Aimé Bonplant (que morou em São Borja), verdadeiros heróis e celebridades da época. Eram anti-escravagistas convictos, em função de suas experiências na América Latina.

2 Constituições do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Estado, Instituto de Informática Jurídica, 1990, p. 15.

3 Tau Golin, recente pesquisador adotante da linha revisionista e aniquiladora de heróis da pátria, insinua ter sido Bento Gonçalves um ladrão e a revolução farroupilha um luta de estancieiros. Tal análise preconceituosa passa ao largo do compromisso humano e ético do líder da revolta, dos princípios sobre os quais se fundava o movimento, da acirrada discussão social que havia sobre a matéria, bem como desconsidera o fato de Bento Gonçalves ter entrado para a revolução com consideráveis bens e ter dela saído paupérrimo, recorrendo a um empréstimo de cem reses para recomeçar a vida econômica.

4 Constituições, 19.

5 Constituições, 49.

6 O saudoso Ex-Secretário da Receita Federal, Dr. OSIRIS LOPES FILHO, afirmou em um congresso de direito tributário que o “desejo da tecnocracia brasiliense expresso nesse projeto de reforma constitucional é realmente tornar o Brasil um Estado unitário. É um grande equívoco, acho que histórico – e alguns professores de História foram responsáveis por isso -, é que sempre há uma insinuação de que a Federação Brasileira foi criação sábia e no fundo cópia que Rui Barbosa fez da Federação Americana. Ora, quem examinar as lutas durante o império, Balaiada, Sabinada, Confederação do Equador, Revolução Farroupilha, vai ver que sempre houve derramamento de sangue no Brasil para a descentralização do poder político e financeiro. E, quando vem a primeira Constituição Republicana, vem concomitantemente a estrutura de Federação, que só realmente foi afirmada num pacto financeiro nessa Constituição de 88; ...Num país com a pujança do Brasil, as desigualdades e o tamanho fantástico, imaginar que o Estado não possa decidir qual é a sua alíquota adequada para produtos essenciais e ter uma alíquota por produto a nível nacional, isso ataca a racionalidade da tributação... ao Estado vai competir só a tarefa de fiscalizar e arrecadar, ele não tem mais vontade política de formulação do ICMS se for aprovada essa emenda”.

7 Militar Argentino, Governador de Buenos Aires e posteriormente da Confederação Argentina.

8  David Canabarro celebra CAXIAS, como se vê em sua proclamação que anunciava o fim da Guerra dos Farrapos. O texto tem a data de 28 de fevereiro de 1845:
"Concidadãos! Competentemente autorizado pelo magistrado civil a quem obedecíamos e na qualidade de comandante-em-chefe, concordando com a unânime vontade de todos os oficiais da força de meu comando, vos declaro que a guerra civil que há mais de nove anos devasta esse belo país está acabada.
Concidadãos! Ao desprender-me do grau que me havia confiado o poder que dirigia a revolução, cumpre-me assegurar-vos que podeis volver tranqüilos ao seio de vossas famílias. Vossa segurança individual e vossa propriedade estão garantidas pela palavra sagrada do monarca e o apreço de vossas virtudes confiado ao seu magnânimo coração. União, fraternidade, respeito às leis e eterna gratidão ao ínclito presidente da Província, o ilustríssimo e excelentíssimo barão de Caxias, pelos afanosos esforços na pacificação da Província". Fonte Fonte Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Poncho_Verde 

8 O Uruguai reconheceu a República Riograndense como nação independente, tendo firmado tratados com os Riograndenses, como o Acordo de dezembro de 1841 de mútuo auxílio militar feito entre o presidente  Rivera   do Uruguai e o presidente da República Rio-Grandense Bento Gonçalves :
 S.Ex. o sr. presidente da república Riograndense prestará a S.E. o sr. presidente da república Oriental do Uruguái un auxilio de 400 homens de infantería e 200 de cavaleria, todos de linha, para invadirem e ocuparem a provincia de Entre Ríos, depondo sua actual ominosa administração, cujas tropas armadas e equipadas obedeceram, durante a campanha, ás ordens de S. Excia. o sr. presidente da mencionada republica Oriental do Uruguái.[3] 
Também o Pacto ou Protocolo de Paysandu entre as Províncias Independentes do Norte Argentino e a República Riograndense reconhecida como tal, assinado em 14 de outubro  de 1842  entre José María Paz , ex-governador de Córdoba e vencedor na Província Independente de Entre Ríos; Juan Pablo López , governador da Província Independente de Santa Fe; Pedro Ferré , governador da Província Independente de Corrientes; e Bento Gonçalves , presidente da República Riograndense, em uma coalizão contra Rosas . (Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Poncho_Verde )

9 Lamentavelmente, o Império não cumpriu o tratado, não permitindo a nomeação do Presidente; não ressarcindo as dívidas de Guerra; deixando de libertar todos os escravos, por temor de repercussão no restante do país. Também não perdou as dívidas.

10 Os Centros de Tradição Gaúcha, os Piquetes de cavalarianos e demais entidades culturais gaúchas foram se reduzindo à repetição e idolatria das atividades campeiras e artísticas dos gaúchos, esquecendo os valores pelos quais lutavam os riograndenses na Revolução Farroupilha, como a forma republicana e a repartição das funções do Estado, que implica a sujeição de todos à lei, princípios tão atuais e necessários.

Regalo: http://rodineicandeia.blogspot.com

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