segunda-feira, 28 de junho de 2010

Chuteiras sujas de barro e de sangue

Grande prosa que li no blog do parceiro Mauro Heinrich
(ranchodostropeiros.blogspot.com).

Tem que ser assim irmão, pelear sempre e desistir jamais.

Grande quebra costela.

por Paulo Mendes

Forjados nas geadas e minuanos, nós, os gaúchos, somos chamados de bárbaros. Por causa de um primitivismo que herdamos desde cedo para sobreviver, defender as fronteiras a ferro e fogo. Por isso, também o futebol, esse esporte que se acampou na querência, é jogado aqui de forma diferente. Jogamos bem, mesmo que de bombachas arremangadas. Cansei de ver muitas botas dependuradas sobre as ancas do cavalo atado nas tramas da cerca, enquanto o peão campeiro suava e brincava correndo atrás da pelota nos gramados das várzeas verdejantes da Vila Rica.

Aqui, não costumamos jogar bonito, mas temos gana de vencer. Não corremos, escarceamos e cabeceamos como touro brabo. Nossos chutes não são refinados, sem trivelas e toques de calcanhar. São patadas mesmo, bicudos de furar a rede. Outros brasileiros, para nos desmerecerem, nos acusam de toscos, mas na hora do "pega pra capar", como nesses jogos de Copa do Mundo, nos chamam para sujar as chuteiras, ficar com as meias encardidas, sair de campo com as camisas rasgadas. Tudo porque gostamos da peleia, da briga feia, como faziam nossos antepassados de espadas e lanças na mão, de peito aberto pelas coxilhas.

Tudo isso me faz lembrar do meu primeiro time de guri, o 1º de Maio. Nosso treinador, Paulo Moreira, nos ensinava as técnicas e táticas, mas principalmente a sermos homens. Enfrentávamos jogadores mais velhos, mas tínhamos coragem e buscávamos a vitória até o último minuto. Num domingo, estreávamos um fardamento novo, jogávamos em casa. O campo, enlameado, estava arrodeado de gente, que veio de trator, carreta, bicicleta. Os Moreira estavam reunidos. Meu pai foi a cavalo, pilchado, facão atravessado na guaiaca. Eu era centroavante e queria marcar um gol para homenageá-lo. Mesmo pobre, havia vendido uma vaca leiteira para nos ajudar a comprar camisetas novas. Infelizmente, mesmo atacando muito, chutado bolas no poste, acabamos derrotados. Saímos de campo com as canelas escalavradas de botinadas, meu nariz sangrava.

Ficamos envergonhados. Alguns choravam. Foi quando o seu Paulo gritou: "Vocês não correram, alguém tirou o pé?" "Lutamos, nos matamos em campo", respondemos. Seu Paulo olhou para todos e disse: "Estou orgulhoso, foram valentes, o resultado não importa". Peguei minhas chuteiras embarradas e encarnadas de sangue, montei na bicicleta aro 24 e fui pra casa. Quando cheguei, o pai desencilhava. E me surpreendeu com a frase: "Foi bonito. Domingo que vem vamos ganhar". Aquele "vamos" me confortou. E a vida, como o futebol, seguiu dura, mas aprendi a pelear sem nunca sair do trilho, "nem que venham degolando".

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